Um olhar sobre o Cuidar e educar na Educação Infantil
A educação Infantil dá inúmeros sinais da
urgência de olhar para a situação atual e refletir possíveis rumos políticos,
sociais e educacionais, tendo em foco o cuidado e a educação das crianças de 0 a 6 anos.
A realidade da educação infantil, dos novos
paradigmas educacionais, torna essenciais ações e reflexões amplas e profundas
como subsídios para avançar nas práticas cotidianas.
As instituições de educação infantil surgiram
na França no século XVIII, em respeito à situação de pobreza, abandono e
maus-tratos de crianças pequenas, cujos pais trabalhavam em fábricas, fundições
e minas, criadas pela Revolução Industrial. Todavia, os objetivos e formas de
tratar as crianças dos extratos sociais mais pobres da sociedade não eram
consensuais. Setores da elite defendiam a idéia de que não seria bom para a
sociedade como um todo, que se educassem as crianças pobres, era proposta a
educação da ocupação e da piedade (OLIVEIRA, 1995).
A história de atendimento à criança em idade
anterior à escolaridade obrigatória foi marcada, em grande parte, por ações que
priorizaram a guarda das crianças. Em geral, a Educação Infantil, em particular
as creches, destinava-se ao atendimento de crianças pobres e organizava-se com
base na lógica da pobreza, isto é, o serviço prestados_seja pelo poder público
seja por entidades religiosas e filantrópicas_ não era considerado um direito
das crianças e de suas famílias, mas sim uma doação, que se fazia _ e muitas
vezes ainda se faz _ sem grandes investimentos. Sendo destinada à população pobre,
justificava-se um serviço pobre.
Antigamente, a escola de Educação Infantil
tinha uma conotação assistencial, onde as crianças ali passavam o dia todo para
que seus pais pudessem trabalhar. As monitoras passavam os dias olhando as
crianças brincarem e era o professor quem ficava com o desenvolvimento
intelectual planejado (quando havia planejamento). Nesse período, os papéis,
dentro da instituição infantil eram bem claros: um cuidava e o outro educava.
Além dessas iniciativas, também as populações
das periferias e das favelas procuraram criar espaços coletivos para acolher suas
crianças, organizando creches e pré_escolas comunitárias. Para tal construíram
e adaptaram prédios com seus próprios e parcos recursos, o que seguem fazendo
na ausência do Estado.
Nesse longo percurso da história do
atendimento à infância, pesquisas e práticas vem buscando afirmar a importância
de se promover uma educação de qualidade para todas as crianças.
A constituição de 1998 representou um grande
avanço, ao estabelecer como dever do Estado, por meio dos municípios, garantia
à educação Infantil, com acesso pra todas as crianças de 0 a 6 anos a creches e
pré_escolas. Essa conquista da sociedade significou uma mudança de concepção. A
Educação Infantil deixava de se constituir em caridade para se transformar,
ainda que apenas legalmente, em obrigação do Estado e direito da criança.
Tanto as pesquisas e os estudos quanto as
pressões da sociedade civil organizada reafirmaram esses valores na LDB,
promulgada em 1996, que considera a Educação Infantil a primeira etapa da
Educação Básica.
A Educação Infantil está entre as prioridades
do MEC, pois sabemos da im portância desse período para o desenvolvimento da
pessoa em todas as suas dimensões: cognitiva, afetiva, corporal e social, tendo
a sua autonomia. Nesse período, desenvolvem _se as capacidades da relação com o
outro, a identidade, as atitudes de tolerância, o respeito às diversidades, na
vida das crianças esse é um período profícuo para se ter acesso ao
conhecimento.
NO que diz respeito à legislação brasileira,
muitas foram às conquistas da Educação Infantil, considerando a criança como
sujeito de direitos. A Constituição Federal de 1988 reconheceu a educação de
crianças de zero a seis anos, anteriormente tida como assistencial, como
direito do cidadão e dever do Estado e incluiu a creche no capítulo da Educação
ressaltando seu caráter educativo. O Estatuto da criança e do adolescente
(ECA/1990), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB/1996), o Plano
Nacional de Educação (PNE/2001) e o Estabelecimento das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil pelo Conselho Nacional de Educação
(CNE/1998) reafirmam o princípio da Educação Infantil com direito.
Mas os avanços na legislação não foram
acompanhados de uma política de financiamento para a Educação Infantil que
permitisse uma expansão do atendimento por instituições públicas bem como sua
qualificação. Nas décadas de 1970 e 1980 houve um crescimento do atendimento
das crianças em creches filantrópicas, domiciliares e comunitárias, em geral
pela ausência de política de Estado. No final dos anos 1990, a precariedade do
atendimento público agravou_se com a implementação do fundef, que destinou
recursos exclusivamente para o Ensino Fundamental. Para superar essa realidade,
muitos municípios têm estabelecido convênio com organizações da sociedade civil
por meio de repassa de recursos, muitas vezes sem a realização de um trabalho
de acompanhamento e supervisão pedagógica.
Mesmo tendo a LDB determinado que todas as
creches e pré_escolas existentes ou a serem criadas devessem ser integradas ao
sistema de ensino até dezembro de 1999, em muitos municípios isso não
aconteceu. Consequentemente prevalece o caráter assistencialista do
atendimento.
O atendimento de zero a seis anos deve ser
tratado como um processo contínuo, rompendo com antigas concepções de que nas
creches (zero a três anos) deveriam predominar os cuidados com a higiene, a
saúde e a alim entação, e de que nas pré_escolas (quatro a seis anos) se
prepara à criança para o ensino fundamental.
A Educação Infantil não é um período
preparatório para a escolaridade futura. Nessa perspectiva, o trabalho com a
faixa etária de zero a seis anos envolve ações de cuidado e de educação de
forma indissociável; assim, os sistemas de ensino devem organizar seus projetos
pedagógicos articulando esses dois processos.
O trabalho com crianças de zero a seis anos
pressupõe o cuidado e a educação como intrínsecos à relação cotidiana. De um
lado as crianças necessitam dos cuidados essenciais ligados às questões de
alimentação, vestuário, saúde, pelos quais todos os seres humanos são
subjugados. De outro necessitam também da interferência imediata, em especial
dos adultos, para a realização destes cuidados e outras tarefas do dia-a-dia.
Essa interferência ocorrerá com maior ou menor intensidade à medida que o grau
de autonomia (maturação física, emocional, afetiva) for se ampliando. Fica
evidenciado que as atividades ligadas estritamente ao ato do cuidado são de
extrema importância e que este ato não pode pretender-se desvinculado do
processo de desenvolvimento, embora esta desvinculação tenha prevalecido (e
ainda prevaleça) na concepção de atendimento às crianças. Isso se deve,
sobretudo ao fato de que, historicamente, a função das creches esteve
associadas à caridade, e essa visão foi por muito tempo reforçada pela e igreja
e incentivada pela sociedade, de modo geral.
Oliveira, Vitória e Ferreira (1992) afirmam
que no Brasil, por exemplo... até o início deste século, o atendimento em
asilos e internatos, destinava-se basicamente a filhos de mães solteiras que
não tinham condições de ficar com eles e criá-los. Isso gerava naquelas
mulheres sentimentos de pecado ou de culpa, e o atendimento institucional a
seus filhos era considerado um favor, uma caridade (p. 18).
Por conseguinte, entende-se que as unidades
de educação infantil devem ir mais além da função de “guarda e cuidado”, ou
seja, devem realizar um trabalho de forma planejada, organizando espaços
adequados no sentido de estimular o processo de desenvolvimento (motor,
cognitivo, emocional, social) das crianças. Cabe ressaltar, porém, que a
instituição educativa não substitui a ação da família. Pelo contrário, se
configura como um lugar de interação e socialização das crianças, complementar
à ação familiar e que por isso necessita de uma relação de confiança e de responsabilidade
entre ambas.
A instituição infantil é um direito da
criança e espaço onde ela possa sentir prazer em freqüentar, quem não pensa
assim vê esse ambiente como tendo mero caráter assistencialista, no qual apenas
o cuidar é focalizado; considera a instituição infantil freqüentada apenas por
crianças que foram deixadas lá pela família. Tal visão deve ser superada porque
se revela preconceituosa e sem fundamentação diante da realidade em que se
encontra e que, cada vez, mais se procura trilhar, que é a de garantir espaço
para que a criança possa ter seus direitos respeitados e, entre eles, o de
viver a infância.
Cuidar e educar é impregnar a ação pedagógica
de consciência, estabelecendo uma visão integrada do desenvolvimento da criança
com base em concepções que respeitem a diversidade, o momento e a realidade
peculiares à infância. Desta forma, o educador deve estar em permanente estado
de observação e vigilância para que não transforme as ações em rotinas
mecanizadas, guiadas por regras. Consciência é a ferramenta de sua prática, que
embasa teoricamente, inova tanto a ação quanto à própria teoria. Cuidar e
educar implica reconhecer que o desenvolvimento, a construção dos saberes, a
constituição do ser não ocorre em momentos e compartimentados. A criança é um
ser completo, tendo sua interação social e construção como ser humano
permanentemente estabelecido em tempo integral. Cuidar e educar significa
compreender que o espaço/tempo em que a criança vive exige seu esforço
particular e a mediação dos adultos como forma de proporcionar ambientes que
estimulem a curiosidade com consciência e responsabilidade.
Embora existam situações no qual o modelo
antigo ainda ocorra, que em determinados momentos há um responsável para cuidar
e outro para educar, atualmente a discussão vai muito além dessa análise
simplificada. Cuidar e educar, de acordo com as novas diretrizes, deve caminhar
junto. Percebem-se nos dias de hoje e apoiado nos paradigmas emergentes da complexidade
(DEMO, 2002; MORIN, 2002) e da visão sistêmica relacionada ao ser vivo (CAPRA,
2001; CAPRA, 2002; MATURANA & VARELA, 2001), o indivíduo como ser global,
não fragmentado e não linear, em todos os momentos e em todas as situações, ou
seja, cuidar educar contemplando de forma democrática todas as diferenças e, ao
mesmo tempo, a natureza complexa do indivíduo. Plenamente entendidas e
aplicadas, cuidar e educar caminha simultaneamente e de maneira indissociável,
possibilitando que ambas as ações construam na totalidade, a identidade e a
autonomia da criança.
A ação conjunta dos educadores e demais
membros da equipe da instituição é essencial para garantir que o cuidar e o
educar aconteçam de forma integrada. Essa atitude deve ser contemplada desde o
planejamento educacional até a realização das atividades em si.
Em face de muitas dificuldades ainda
existentes para a função do cuidar/educar como indissociável seja efetivamente
assumida, tentando entender melhor essa temática, realizei uma pesquisa com as
professoras Leidiane Cardoso e Hidazélia Macedo, para relatarem aspectos da
prática cotidiana do cuidar e educar na educação infantil e de como essas ações
devem ser trabalhadas.
Ambas relatam ter a consciência de que não
existe educação sem afetividade, e de que é imprescindível que na Educação
Infantil o educar esteja entrelaçado ao cuidar. Dessa maneira partem do
pressuposto de que o cuidar e o educar se apresentam de forma indissociável no
processo de construção do conhecimento e que o seu trabalho tem como objetivo o
pleno desenvolvimento da criança.
Para elas essas ações no dia-a-dia se tornam
muito difíceis principalmente pela falta de espaços, de recursos nas
instituições infantis e também da falta de investimento na capacitação dos
professores da educação infantil. Que por causa dessa precariedade sentem
muitas dificuldades em unir educação e cuidado, mas acreditam também que apesar
das barreiras são capazes de realizarem uma pratica que façam dos obstáculos
uma luta por melhorias em seu trabalho,
fazem da sucata um a forte aliada e que buscam sempre o apoio da
família, pois sabem da importância dessa, e que a instituição não substitui a família, por
isso, contam sempre com ela.
Afirmando-se responsáveis para garantir às
crianças condições de cuidados associados a educação, sabem da importância que
tem o cuidar e o educar.
È interessante ressaltar que ambas trabalham
na mesma sala e que entre elas não existe a situação em que uma cuida e a outra
educa, pelo contrario são tão responsáveis pelo cuidar como pelo educar.
Disseram que procuram trabalhar oferecendo
condições para que ocorra a construção de conhecimentos, vivenciando o cuidar e
o educar de forma mais efetiva, estabelecendo com a criança uma relação
afetiva, quando a ajudar a alimentar-se,
a tomar banho , a vestir-se etc.
Que trabalham desenvolvendo na sala cantinhos
que abrangem várias situações que propiciam estas ações de forma interligadas.
Também falaram das dificuldades que ainda
encontram para vencerem a dicotomia existente no cuidar/educar, porque
infelizmente ainda existe presente no cotidiano da instituição infantil o
pensamento de que cabe a creche a função de cuidar e a pré-escola a de educar.
E que sabem que ainda há muito que ser mudado para que a prática da Educação
infantil seja permeada do cuidar e do educar.
Os estudos e a entrevista que realize a cerca
desse tema me fez ver o quanto é urgente olhar para a situação atual da
Educação Infantil e refletir possíveis rumos políticos, sociais e educacionais,
tendo em foco o cuidar e o educar.
É notável a crise profunda de valores em que
vivem as famílias hoje; a inadequação dos espaços das creches e dos centros de
Educação Infantil; a falta de verbas; o excesso de crianças nas escolas
públicas; o desnorteamento dos professores frente as políticas e diretrizes
que, não raro, oscilam a cada gestão.
Sem recursos concretos os professores se
deparam com questões complexas e muitas não sabem como auxiliar as crianças que
as enfrentam, e que são tantas, como os casos de violência, situações do sono
de alimentação inadequada, desequilibradas, que fazem com que os educadores se
sintam desamparados em suas iniciativas.
A infância tem que ser vista como um momento
de construção de conhecimentos e potencialidades emocionais, sociais,
intelectuais, físicas, éticas e afetivas, entre outras. Nas instituições de
Educação Infantil é importante oferecer condições para que isso ocorra, tendo
em vista que nessa faixa etária as aprendizagens acontecem de forma integrada
no processo de desenvolvimento, como fica claro no RCNEI.
“Educar significa,
portanto, propiciar situações de cuidado, brincadeiras e aprendizagens
orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento
das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os outros
em uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança, e o acesso, pelas
crianças, ao conhecimento mais amplo da realidade social e cultural” (RCNEI,
vol. 1; p. 23).
É imprescindível que a instituição de
educação infantil ligue de forma significativa o cuidar e o educar, e não
diferencie e nem hierarquize os profissionais e as instituições infantis.
Quando há um envolvimento entre quem cuida e
quem é cuidado, a professora tem um meio através do qual é possível ler as
diversas expressões das crianças, suas formas diferenciadas de comunicação,
tornando o processo de educação e cuidado das crianças pequenas mais afetivas,
intervindo no sentido de acolher e envolver a criança nos espaços educativos,
contribuindo para o desenvolvimento em sua totalidade, fazendo-se necessário a
indissociabilidade entre cuidar/educar, tornando a parceria com a família o
diferencial na formação do educando.
É importante que a instituição infantil não
seja pensada como substituta da família, mas como ambiente de socialização diferente
da família, que alem de presta cuidados físicos, ela cria condições para os
seus desenvolvimentos cognitivos, simbólicos, social e emocional; que são
equipamentos educacionais e não apenas de assistência; que integram funções de
cuidar e educar. Nela se dá o cuidado e a educação de crianças que aí vivem,
convivem, exploram, conhecem, construindo uma visão de mundo e de si mesmas,
construindo-se como sujeitos.
Portanto, é preciso mudar essa concepção que
cabe às creches a função assistencialista e às pré-escolas as de caráter
educacionais; as crianças não são maquinas nem destituídas de sentimentos, onde
um professor pode trabalhar somente com o intelectual e um outro com a
assistência relacionada ao cuidado, e, por conseguinte acabar com a dicotomia
cuidar/educar.
Para promover o desenvolvimento das crianças
é preciso muito mais do que isso, o educador em todos os momentos deve estar em
permanente estado de observação e vigilância para que não transforme as ações
em rotinas mecanizadas, guiadas por regras, mas sim sentir e proporcionar às
crianças de forma afetiva e prazerosa, momentos que lhe façam crescer, refletir
e tomar decisões direcionadas ao aprendizado com coerência e justiça,
tornando-se aptas a viverem em sociedade, o que não é tarefa fácil.
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